Fortaleza e os clubes da época
É
importante dizer que nos anos 60 as diversões da vida noturna de
Fortaleza se caracterizavam por bailes em clubes, diferentemente do que
ocorre hoje em dia, com os mega-shows em casa de espetáculos de grande
porte. Quem viveu os “Anos Dourados” certamente tem saudades das festas
desse período.
Quem
não se lembra dos preparativos que fazíamos para ir a alguma festa e de
como os conjuntos musicais eram mais valorizados? E dos festivais,
sempre muito freqüentados, as paqueras, a dança colada? Para nós músicos
não era muito fácil, pois na maioria das vezes estávamos trabalhando
nos finais de semana. Em nosso caso, quando o Big Brasa tinha folga nos
contratos, saíamos de Messejana para nos divertir um pouco em algum
clube. Entretanto, antes de nossa turma completar dezoito anos e poder
dirigir, tínhamos que chamar um carro de praça, normalmente uma rural,
para que nos conduzisse até o clube e voltasse na madrugada para nos
trazer de volta para Messejana.
Para
se ter uma idéia do que rolava nas noites de Fortaleza, segue uma
relação dos clubes que existiam na época, em ordem alfabética, nos quais
o Big Brasa atuou, por várias vezes.
O
Balneário Clube de Messejana, a Sociedade Bairro de Fátima, o Clube de
Regatas Barra do Ceará. Mais adiante o Iracema, o Líbano, o Iate Clube
de Fortaleza, o Ideal Clube, o Náutico Atlético Cearense, o América
Futebol Clube, o CRA - Clube Recreativo da Aerolândia, a COFEBA (Colônia
de Férias dos Funcionários do Bento Alves), o Recreio dos Funcionários,
o Clube General Sampaio, o Vila União, o Massapeense, a Associação
Atlética do Banco do Brasil (AABB), o Clube dos Diários, o Clube do
Jornal O POVO (Messejana), o Clube da Caixa Econômica, o Maguari e o
Memphis Clube, de Antônio Bezerra.
O BALNEÁRIO CLUBE DE MESSEJANA
Localizado
às margens da Lagoa de Messejana, na qual, segundo a lenda, e o
escritor José de Alencar, Iracema, a “virgem dos lábios de mel”, tomava
banho e saía correndo até a Praia de Iracema, chegando a seu destino
ainda com os cabelos molhados, tal a sua rapidez.
O
Balneário Clube de Messejana tinha uma extensa área verde ao redor do
salão, bem arborizada, formando um espaço muito agradável para seus
freqüentadores. O clube possuía uma arquitetura simples, sendo amplo e
bem estruturado, no que se refere ao salão de dança e palco. Deixava
muito a desejar pela precariedade de suas instalações de secretaria, bar
e da própria fachada.
A
vista do Balneário era muito bonita, tendo como cenário a belíssima
Lagoa de Messejana, que às tardes nos proporcionava um pôr-do-sol
magnífico, com cintilantes reflexos em suas águas. Nas manhãs dos
sábados e domingos, podíamos ver algumas velozes lanchas, circulando a
lagoa, em passeios que deviam ser muito agradáveis. Naquela época, como
ainda hoje, aquilo era privilégio de gente rica.
Nossa
turma freqüentava o Balneário para jogar pingue-pongue, tomar banho de
lagoa, jogar bola, paquerar e dançar nas tertúlias. Praticamente toda a
pequena comunidade de Messejana se encontrava no Balneário. Todo mundo
se conhecia. Vivemos, pode-se dizer, a fase áurea do Balneário de
Messejana.
As pessoas de “elite” e o preconceito
Messejana,
como também Fortaleza nos anos 60, tinha algumas famílias tradicionais
que se sentiam superiores às demais. Como exemplo o Balneário Clube de
Messejana, às margens da lagoa de mesmo nome, que foi por muito tempo um
clube preconceituoso onde só deveria freqüentar pessoas tidas como de
“boa linhagem”.
Pelo
Balneário passaram ótimas orquestras, oriundas de outras regiões do
País. Em todas as festividades os grupos tinham que atender as
preferências musicais dos ditos “nobres”. Para exemplificar o
preconceito existente nas cabeças de quase todos os diretores do
Balneário, no final de década de 60, ou para quem é detalhista no ano em
que o América Futebol Clube foi campeão cearense, havia um jogador em
seu plantel que destacou-se de forma brilhante por boas atuações.
Chamava-se José Deusimar Moreira Pontes, mas era conhecido por “Pinha”,
seu apelido. Nosso vizinho e amigo, o Pinha jogou a princípio no Salgado
da Gama e depois de uma bem sucedida campanha por aquele clube, foi
contratado pelo América onde fez boa figura. Posteriormente foi
contratado pelo Maranhão Atlético Clube, onde ficou conhecido como o
“Pelé cearense”. Pois bem, durante uma das animadas matinais que o Big
Brasa tocava no Balneário, o referido jogador adentrou ao clube, ocasião
em que meu pai fez referências elogiosas a ele ao microfone. Pelo
ocorrido o Mestre Alberto foi seriamente criticado pela diretoria do
clube e pela “nobreza” messejanense, por terem achado um absurdo a
menção a um jogador de futebol naquele recinto...
Outra
vez, em uma promoção do próprio Big Brasa, realizada no Balneário clube
de Messejana, um dos diretores chegou a dizer que algumas mulheres de
programa tinham sido vistas durante o evento. Falsa moral, daquele
cidadão. À sua colocação, o Mestre Alberto respondeu:
-
Rapaz, é o seguinte: desde que não esteja dançando nua, tenha pago
ingresso e esteja se comportando adequadamente, não há problema nenhum
nisso. Teimosamente, esse mesmo diretor insistia sempre no triste preconceito, dizendo para o meu pai:
- Não adianta querer popularizar o Balneário, que você não vai conseguir, seu Alberto ...
Realmente
o Balneário não se popularizou, como desejava meu pai e todos nós, e
veio a amargar um melancólico fracasso, tempos depois, indo totalmente à
bancarrota por conta de suas diretorias locais de “elite”.
A TÃO ESPERADA ESTRÉIA E O PREFIXO - “AND I LOVE HER”
Lembro
bem da primeira festa, da estréia do Big Brasa no Balneário Clube de
Messejana. Passamos o mês inteiro nos preparando, ensaiando as músicas
que fizeram parte de nosso primeiro repertório. No dia “D”, amanheci com
muita ansiedade, gerada pela expectativa do evento. Afinal de contas
seria uma apresentação pública e teríamos que animar uma tertúlia,
responsabilidade e tanto, principalmente para quem nunca tinha
participado daquilo.
À
noite, todos os componentes do Big Brasa, com a indumentária escolhida
para a estréia, esperaram pela hora da festa começar na secretaria do
clube, para fazer surpresa do visual do grupo aos presentes. Eu estava
sentado em um banquinho, muito nervoso e até mesmo com um pouco de dor
de barriga. Quando chegou a hora “H”, ouvimos alguém anunciar a entrada
do conjunto. Nos deslocamos da secretaria e finalmente subimos ao palco.
Fomos bastante aplaudidos. Eu não enxergava praticamente ninguém.
Comecei a tocar o prefixo, And I Love Her, dos Beatles, com a guitarra,
mas quase minhas mãos trêmulas não atendiam as notas desejadas. Minutos
depois senti mais firmeza, em parte também motivada pelos aplausos do
público presente, e aquele impacto da estréia foi sendo aos poucos
superado.
Posso
dizer que essa estréia foi verdadeiramente estressante para mim, de
modo especial por ser eu quem liderava o grupo no que diz respeito a
mudanças de músicas e a seqüência do repertório, além da preocupação em
tocar o próprio instrumento. Com o tempo todos nós adquirimos mais
segurança e aquele nervosismo natural foi gradualmente desaparecendo, o
que nos possibilitou enfrentar públicos de qualquer proporção com muita
tranqüilidade.
AS TERTÚLIAS NO BALNEÁRIO CLUBE DE MESSEJANA
No
Balneário foram inúmeras as apresentações feitas pelo Big Brasa. Nas
primeiras, por idéia de meu pai, o Mestre Alberto, durante o intervalo,
eu e o Carló saíamos de mesa em mesa, ao redor das mesas, tocando com
escaleta e violão as músicas de maior sucesso no momento, sendo que uma
delas era “Les Marionettes”, do Herbert Albert.
Além
das tertúlias, tocávamos matinais e vesperais. Em 1969 chegamos a tocar
um carnaval inteiro no Balneário. Contratamos mais alguns músicos, para
instrumentos de sopro e de percussão, e fizemos quatro bailes
carnavalescos sem problemas. Nosso desempenho foi plenamente
satisfatório e o conjunto atendeu à expectativa geral.
Como
sempre o Clube, através de suas diversas diretorias, ao longo da
existência do Big Brasa nos convidou sempre para “prestigiar a prata da
casa”, ou seja, para tocar mais barato. O Balneário, nem o pessoal de
Messejana, com pouquíssimas exceções, nunca nos deu nada, nem uma corda
de guitarra. No final dessa nossa primeira experiência com carnaval, o
clube pagou apenas uma parte da quantia acertada alegando prejuízo.
Tivemos que arcar com o pagamento dos músicos e passar o resto do ano
inteiro para receber o restante, no “pinga-pinga”.
O PRIMEIRO BAILE DE 15 ANOS
Foi tocado na Associação Atlética do Banco do Brasil (AABB), em Fortaleza. O Big
Brasa para esta ocasião usou um traje especial, com calças pretas,
camisas de seda branca, com destaques em bordado, e uma faixa vermelha
de veludo na cintura. O conjunto, por iniciativa de meu pai, levou um
presente para a aniversariante. O
repertório estava bem organizado, vestuário também, instrumental quase
completo e o nosso grupo já começava a se estruturar. Muito importante
nesse período era o entusiasmo e a boa vontade da parte de todos, na
ânsia de aprender mais e progredir no cenário artístico fortalezense.
Nessa época a música, a guitarra e o conjunto não saíam de meu
pensamento.
Detalhe:
na fotografia abaixo, tirada pelo grupo nesse baile, a nossa primeira
bateria aparece com os dois suportes do bombo inteiros. Mais adiante,
após a quebra do tal suporte, foi preciso a utilização de um
transformador velho para escorá-lo.
João Ribeiro da Silva Neto
Do livro "O Big Brasa e minha vida musical" (1999)
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