Os equipamentos e as dificuldades da época
- As primeiras guitarras
Nossas
primeiras guitarras foram adquiridas do conjunto “Os Rataplans”, dos
meus amigos César Barreto e seu irmão Antônio Carlos Barreto Filho, o
Barretinho, que infelizmente nos deixou há algum tempo. Eles tocavam com
guitarras de fabricação caseira. Instrumentos bem construídos, leves, e
que deveríamos ter mantido até hoje como verdadeiras relíquias
musicais. Como “Os Rataplans” estava em vias de renovar seu
instrumental, adquirimos dele duas guitarras e um contrabaixo.
Com
esses instrumentos fizemos nossa grande estréia, no Balneário Clube de
Messejana, e na minha primeira guitarra por muitas vezes toquei o
prefixo do Big Brasa, “And I Love Her”, dos Beatles. A renovação de
nosso equipamento transcorreu de forma gradual e contínua, nos anos
seguintes, de acordo com nossas possibilidades financeiras e com o
progressivo aumento do número de contratos.
Sobre
essa pequena guitarra vale mencionar que poucos dias antes de nossa
primeira apresentação o César Barreto esteve em nossa casa e me ensinou a
introdução da música “O Tijolinho”, na tonalidade de Lá Maior. Eu
ficava simplesmente fascinado com o som que ele conseguia “tirar” e pela
facilidade que tocava a guitarra, parecia brincadeira. Para o César
aquilo era a coisa mais simples do mundo, porque tinha prática e estava
bem acostumado com o instrumento. Olhando para ele, eu pensava: “puxa,
será que vou conseguir tocar desse jeito algum dia?”. O César e
todos os seus companheiros de conjunto, o Barretinho (guitarra e
vocal), o Camelo (baterista) e o Adilson (contrabaixista) sempre deram a
maior força para nós.
- O uso do contrabaixo
Para
aqueles que são leigos ou não têm muita percepção musical, a falta de
um contrabaixo em um conjunto é mais ou menos como a falta de um goleiro
em um time de futebol, para ser “sutil” na comparação. Ou a mesma coisa que sentir-se inteiramente nu, em plena Praça
do Ferreira, no meio de uma multidão. O negócio é “brabo”. Quando a
gente está tocando uma música, e o contrabaixo, por algum motivo, pára
de funcionar ou deixa de tocar algumas notas, sente-se um vácuo, um
vazio, uma sensação estranhíssima. Quando ele volta é uma beleza, o
sangue retorna, a música fica mais harmoniosa, enfim, tudo vai bem. O
contrabaixista tem que ser um cara ligado. Não pode faltar nem por
poucos instantes.
No
início dos chamados Anos Dourados, nós do Big Brasa, em Fortaleza,
particularmente pela falta de equipamentos e informações musicais
diversas, tocávamos sem contrabaixo. Acostumados que estávamos a cantar
com o acompanhamento de violão ou violões, a substituição pelas
guitarras foi aceita com todo o entusiasmo e não se notava muito a falta
de um contrabaixo pelo próprio desconhecimento de sua necessidade,
conforme foi dito.
Ainda
bem que foi por pouco tempo. Depois que se acostuma pelo menos por uma
vez a tocar com a marcação e com a harmonia proporcionadas pelo
contrabaixo não se consegue mais retornar à situação anterior.
A entrada do contrabaixo no Big Brasa foi incentivada pelo
“quase irmão” e grande amigo, o saudoso Barretinho, irmão do César
Barreto. Excelente músico, saxofonista, guitarrista e vocalista dos
“Rataplans”. Ele insistiu com o meu pai, dizendo que o contrabaixo era a
alma de um conjunto e que não se podia tocar sem ele. Daí para a frente
a coisa mudou - e para bem melhor!
Vale
dizer que nas próprias gravações iniciais dos anos 60, o contrabaixo
não era destacado como merece. Ouvia-se seu som e sua marcação, mas os
destaques e maior presença do instrumento nos arranjos musicais veio
mais tarde. Hoje a gente percebe que as músicas que caracterizaram a
Jovem Guarda, gravadas na época do iê-iê-iê, (música “pop”, como também
era designada na época), por exemplo, têm aquele sonzinho de lata, meio
“fajuto”, se comparado à qualidade que se possui na atualidade.
- Instrumentos e acessórios musicais
No início do Big Brasa tudo era muito difícil em Fortaleza. Não
havia nenhuma loja especializada em instrumentos musicais. Algumas
possuíam seções com poucos instrumentos ou acessórios. A diversificação
dos produtos oferecidos era mínima. Por exemplo, quando se encontrava um
tipo de encordoamento ou mesmo simplesmente “palhetas” para violão em
determinado lugar você já poderia se dar por satisfeito.
Havia,
no entanto, a casa do Sr. Aurélio (avô do saxofonista Zezinho), no
Benfica, onde podíamos encontrar peles diversas para bateria, palhetas
para guitarra (isso mesmo!) palheta era coisa difícil para caramba.
Também baquetas e outros acessórios, como cordas para guitarra e
contrabaixo. Esses acessórios somente podiam ser encontrados lá. Hoje em
dia a casa ainda vende esses materiais, dirigida pelas sobrinhas e
outros familiares do Sr. Aurélio, já falecido. Esse senhor, nós
descobrimos que nasceu parece que em Riachão, mesma terra de minha mãe.
Um dia desses, recentemente, estive por lá para comprar um encordoamento
de nylon, à noite. Uma das senhoras me reconheceu prontamente. Muita
memória, depois de aproximadamente 25 anos. Mas disse que estava um
pouco mudado, mais gordo etc. Imagine ela... Mas é assim mesmo, quando
se passa bastante tempo sem ver alguém, imaginamos que a pessoa
permanece tal como está armazenada em nossa memória, com os traços
intactos. Mas o tempo vai nos pregando surpresas.
Em
outra oportunidade encontrei, em uma feira de informática, com um
guitarrista, chamado Evaldo, que tocava em um conjunto do Bairro de
Fátima. Ao me ver, ele disse, muito admirado:
- Puxa, cara, você não mudou nada, não tem nenhum cabelo branco, o que é que você tem feito?
O Evaldo é apenas um pouco mais velho do que eu e
já estava com a cabeça toda branca. Um dos segredos, acho eu, é
aprender a encarar com tranqüilidade a ação do tempo e sempre avaliar
cada situação de acordo com nosso potencial do momento.
- Os amplificadores e as caixas de som
As
caixas de som, como chamávamos, no início eram pequenas e integradas
aos amplificadores. Tínhamos no Big Brasa amplificadores de 6, 8 e 10
Watts, com as caixas de som, com mais ou menos 70 a 80 centímetros
de altura, coisas simplesmente ridículas se comparadas ao que existe
hoje em dia em matéria de equipamentos musicais. Tanto que pouco
aparecem nas fotografias, escondidas atrás dos músicos. Imaginem só:
duas guitarras ligadas a um amplificador de 6 Watts, com um alto-falante
de 6 ou 8 polegadas. Que sonzão!
Com
o aumento da potência e da qualidade dos equipamentos, nos anos
seguintes os amplificadores começaram a ser produzidos em módulos,
separadamente das caixas de som. Abaixo seguem-se comentários sobre
alguns desses equipamentos, para que vocês tenham uma idéia mais precisa
do material que nós trabalhamos.
- O amplificador Delta
Um dos primeiros equipamentos utilizados pelo Big Brasa para o som de voz foi o amplificador Delta. Tinha o gabinete parecido com os rádios transmissores
e receptores da mesma marca. Aquecia demais e precisava funcionar com a
tampa aberta, para receber mais ventilação. Em uma das funções do Big
Brasa, o “bicho” estava dando problema. O papai, cheio de boa vontade,
foi se meter a técnico e, inocentemente, meteu a mão dentro do Delta
para apertar uma válvula de saída de áudio, daquelas tipo chupeta.
Queimou a ponta do dedo, logicamente. Além do susto, o choque também não
deve ter sido pequeno. Ainda vai, Mestre Alberto?
O
superaquecimento dos amplificadores foi um problema seríssimo para o
conjunto. Eles ficavam “mesmo que fogo” e exatamente por isso
apresentavam defeito com maior facilidade do que os atuais, queimando ou
danificando filamentos de válvulas. Um dos macetes que descobrimos foi o
de não transportar o equipamento logo após de desligá-los. Os bigus
esperavam um pouco, tempo suficiente para que as válvulas esfriassem e
pudessem ser movimentadas sem pifar. Mais tarde, o papai apresentou uma
idéia muito legal para a solução do problema, imediatamente adotada. Foi
a de comprar pequenos ventiladores, os quais, sobre uma chapa de
sustentação colocada embaixo dos amplificadores, passavam o tempo todos
ligados, não deixando o superaquecimento chegar. Os prejuízos
decorrentes de equipamentos quebrados por esse problema diminuíram
depois desta simples, mas excelente idéia.
Após
esse amplificador Delta, surgiu mais um avanço: o serviço de som
Gianinni, modelo A-100, valvulado, composto de dois módulos, em um
“rack”, com suas colunas de som e os seus respectivos suportes laterais.
Na parte de cima do “rack” ficava instalado o misturador, para seis
microfones, e na parte de baixo, o amplificador de potência. Naquele
época, era um dos melhores. Comparando-se ao que existe hoje é como se
estivéssemos utilizando uma mesa de som estéreo, com “tudo que tem
direito” e muita qualidade e potência de som. Cada aquisição de
equipamento causava intensa satisfação para todos, como esse serviço de
som A-100, comprado na Mesbla.
Num dos carnavais que
tocamos em Cascavel descobrimos que o som estava baixando (oscilando)
muito por causa de uma válvula que estava frouxa em seu suporte. Quente
para caramba, mas o Marcílio, que foi o cantor daquela jornada momina,
de vez em quando ficava apertando a tal válvula para que o som
melhorasse. Ele lembra e ri muito desse lance até hoje. No ano seguinte
surgiram outros modelos, o A-200 e o A-300, um pouco melhores e mais
potentes.
Pouco
a pouco, com o avanço tecnológico, novas marcas e modelos de
amplificadores apareceram no mercado. Fomos renovando nosso equipamento,
pouco a pouco. Surgiram os amplificadores “Tremendão”, da Gianinni, com
potência de 100 Watts de saída, para guitarras, órgãos eletrônicos, voz
e contrabaixo. Essas “caixas” permaneceram bastante tempo no mercado e
tinham uma saída incrível. Todo mundo desejava ter um amplificador
“Tremendão”. O amplificador
tinha quatro válvulas de saída de áudio tipo “6L6”, que produziam uma
sonoridade aveludada, um som mais puro. Para as caixas de contrabaixo
usávamos as válvulas “EL-34”,
que se encaixavam nos mesmos soquetes (encaixes para válvulas) mas que
tinham um som mais agressivo e duro, bem apropriado ao instrumento.
Essas máquinas resistiam bem à rotina de ensaios e funções variadas, com
transportes para lá e para cá toda hora.
Outra
novidade que os amplificadores Tremendão trouxeram foi o Reverber.
Consistia em um circuito ligado a um módulo que ficava dentro do
amplificador, numa caixa metálica com duas molas e pequenas bobinas, que
pelo circuito eletrônico produziam reverberação
no som. O reverber enriquecia a qualidade de áudio nos solos e também
em marcações feitas pelas guitarras. Depois de acostumados a ele, parece
que incorporávamos sua sonoridade. A reverberação por ele produzida
podia ser controlada através de botões específicos, no amplificador.
Quando apresentava algum defeito, aí complicava. Era a desvantagem:
quando um fiozinho desligava lá por dentro, em especial do compartimento
metálico de molas e minúsculos transformadores, disparava uma
microfonia (aquele apito bem alto, que incomoda bastante) para valer. E
aí o Reverber tinha que ser desligado imediatamente, pois a microfonia
tornava-se insuportável. Não posso falar de reverber sem mencionar a
música “O Milionário”, que sem esse recurso era quase impraticável de
ser executada. Em algumas festas, quando essa música estava “na parada”,
cheguei a tocá-la inúmeras vezes.
- O amplificador True Reverber (Gianinni)
Usamos
esse amplificador para a guitarra-solo. Tinha excelente qualidade, mas
pouca potência sonora. Quando se aumentava o volume mais um pouco o som
ficava distorcido.
- A caixa e amplificador Alex
Esse
amplificador possuía muita potência. Nos causou espanto pela primeira
vez que tivemos que abri-lo, para substituir um alto-falante que estava
com problemas. Tentamos abrir a caixa da forma convencional e
conseguimos ver os alto-falantes. Depois de alguns minutos alguém notou
uma abertura dentro da caixa, e ao olharmos para cima logo os
encontramos, mas em posição não convencional, ou seja, virados para
baixo. A arquitetura sonora era diferente das demais, que tinham os
alto-falantes parafusados na parte frontal da caixa de som.
Havia
uma preocupação e a necessidade de trocar de equipamentos com relativa
freqüência, em razão da concorrência. Por isso mesmo é que a maioria dos
conjuntos não agüentava a barra e ia à falência cedo. Por outro lado,
para economizar também fazíamos reformas nos equipamentos, como troca de
cobertura de napa, cantoneiras, pintura de suportes e outras. Cansei de
passar noites quase inteiras, madrugada adentro, retirando coberturas
de napa dos amplificadores e das caixas de som e recobrindo-os com novo
material. Dava um trabalho lascado. Puxa aqui, estira dali e pronto.
Amplificadores e caixas novos de novo! Volta e meia ficava um canto mal
feito mas tudo bem, não dava para ninguém notar e a economia tinha sido
feita...
Desse
modo o esforço estava plenamente recompensado pelo prazer de nos
apresentar com um instrumental novinho, bonito, e com um som legal.
- Os consertos de emergência e as improvisações
Muitas
vezes tínhamos que fazer consertos de emergência nos amplificadores, na
Capital ou no interior do Estado, quase sempre com pouco ou nenhum
material específico. As válvulas de saída de áudio eram a “EL-34”
e a “6L6”, que tinha um som melhor. Num desses dias, em Pacoti, foi
feita uma solda em um fio da bobina de um reverber, com um ferro de
soldar enorme, aquecido por uma forja. Vejam a “sutileza” dessa
soldagem.
Em
outra oportunidade o Carló desmontou um amplificador de contrabaixo,
durante um baile, conseguiu localizar o defeito e trocar um resistor
(componente eletrônico), tendo o equipamento voltado a seu funcionamento
normal depois daquela rápida intervenção. Mas a verdade é que muitas
vezes não conseguimos nos sair tão bem. Em algumas oportunidades os
amplificadores pifaram mesmo, para valer, e não teve jeito. Nós
sabíamos, mais ou menos, quando o defeito era sério, pela experiência. E
também o bom senso para decidir se daria ou não tempo para consertá-lo
na hora, coisa muito difícil, por inúmeras razões: falta de peças ou
componentes eletrônicos, falta de meios técnicos apropriados, de
material e de tempo para o reparo. Em virtude disso, houve períodos que o
Big Brasa sempre andava com um amplificador de reserva, para qualquer
emergência.
- Os cabos e as extensões, sempre problemáticos
Tenho
que falar dos cabos. Cabos e mais cabos “coaxiais”, para ligações dos
diversos instrumentos (guitarras, contrabaixo, microfones e teclados)
aos amplificadores e as extensões elétricas. Não podia confiar neles,
nem em seus “plugs” ou conectores. Mesmo quando não apresentavam defeito
durante as apresentações, quando alguém neles pisava, ou simplesmente
suas ligações se rompiam com nossos movimentos, no dia seguinte eu ia
examinar um por um. Isso porque na hora de dobrá-los, ao fim dos bailes, poderia
dar problema e alguma ligação se romper. Pegava logo o ferro de soldar,
solda, alicate de corte, sentava-me no chão ou em algum banquinho e
começava a revisão. Meu filho Alberto Neto, ainda criança,
invariavelmente ficava me “ajudando” nessas manutenções.
- A famosa “mala-da-cobra”
Em
geral, todo técnico que se preza e também os conjuntos musicais têm uma
“mala da cobra”. Chamávamos de “mala-da-cobra” toda caixa, bolsa ou
qualquer outro tipo de depósito para transportar os cabos, as extensões e
outras miudezas necessárias ao funcionamento do conjunto, tipo “plugs”
diversos, conectores, tomadas, fita isolante, parafusos extras e tudo
aquilo que se imagina que poderá quebrar numa apresentação. A tal mala
deveria conter ainda ferramentas de primeira necessidade, para as
emergências.
Esse
nome “mala-da-cobra” se justificou muito bem quando, em uma ocasião, o
conjunto tinha acabado de tocar em um clube de Sobral e ao final da
festa fomos guardar as tumbadoras em seus estojos de proteção. Dentro
deles foi encontrada uma cobra. Que susto. A cobra, certamente se
encantou com o som do Big Brasa e com o calor dos estojos.
- A primeira bateria
Toda
azul, com as partes metálicas de cor cinza metálico, foi adquirida da
charanga do Gumercindo, líder da torcida do Fortaleza Futebol Clube.
Lembro como se fosse hoje da alegria que todos sentimos quando chegamos
em casa, após meu pai ter concretizado o negócio. No primeiro mês de
utilização ela sofreu uma avaria. Quebrou um suporte. Só para vocês
terem uma idéia, para que o bombo se sustentasse em pé era preciso
colocar um transformador velho de lado para servir de apoio... Assim
mesmo velha, recebeu logo uma pintura nova e nos prestou inestimáveis
serviços. Possuía boa sonoridade.
- A bateria “Pinguim”
Em madrepérola branca, de marca Pingüim, uma das melhores no momento, era de excelente qualidade e muito bonita. Foi comprada em São Paulo. A mamãe na época negociava bordados com minha Tia Zenóbia, que residia em São José
dos Campos. Aproveitando uma das transferências de dinheiro que
receberia dessas vendas, pediu ao tio João que fizesse a compra de uma
bateria novinha em folha. Quando
este instrumento chegou foi motivo de admiração por todos nós. A
bateria depois de montada ficou linda. O meu pai, na preocupação de
preservá-la em bom estado, mandou logo fazer uns estojos para todos os
seus apetrechos. Por essa excelente providência é que essa bateria teve
longa duração, sempre bem conservada e em ordem.
- A distorção caseira
Sempre
gostei de eletrônica, montagem de “kits” de alarmes sonoros, sirenes
para discoteca, compressores de áudio e outros circuitos eletrônicos.
Ainda em São José
dos Campos, quando criança, gostava demais de brincar com tudo aquilo
que tinha eletrônica. Montava e desmontava lanternas, pequenos circuitos
para acender foquitos de lanterna, com instalações feitas na parte de
baixo de mesas e camas. Mexia e fuçava em brinquedos eletrônicos, sempre
que podia. A eletrônica e tecnologia moderna sempre me fascinaram.
Com
14 anos, fiz por correspondência um curso de rádio e televisão pelo
Instituto Universal Brasileiro. Consegui aprender um bocado de coisas e
montei um rádio, sob a orientação e com todos os componentes fornecidos
pelo Instituto, como parte do treinamento. De vez em quando estava eu
gostava de pesquisar as novidades, na Rua Pedro Pereira, local onde se
encontra em Fortaleza o maior número de lojas de produtos eletrônicos.
Conhecia todas as lojas e muitos vendedores, e como bom cliente,
principalmente durante a existência do Big Brasa, obtinha bons descontos
em todas as compras.
Essa
relativa habilidade que tenho para eletrônica me ajudou muito durante
toda a minha vida, desde criança, passando pela juventude, no Big Brasa,
mais tarde no campo do radioamadorismo e até hoje em dia, com a
Informática. A prática e a iniciativa incentivam o processo de
criatividade e vice-versa. Digo isso para demonstrar como é que foi o
lance da primeira distorção do Big Brasa e de Fortaleza. Para que os
mais novos tomem conhecimento, ocorreu uma verdadeira pesquisa, coroada
de êxito. Foi assim.
Ao
ouvir umas gravações, a fim de escolher músicas para nosso repertório,
notava alguns sons de guitarras super pesados, mas não sabia como é que
os caras conseguiam aquilo. Vendo um filme musical e lendo um pouco
sobre conjuntos, soube que existia um “aparelho”, que conectado à
guitarra, produzia aquele som rachado e distorcido. Esse tal aparelho
era a distorção. Fiquei louco de vontade de conseguir um som daquele
tipo e comecei a falar com todo mundo que eu achasse que poderia ter uma
idéia. Escrevi uma carta para o tio João e, depois que ele fez sua
pesquisa em São Paulo,
não conseguiu descobrir nada. Na verdade eu nem sabia o nome do
aparelho direito, muito menos ele, que leigo em música, não deveria
saber ou entender do tal som que eu procurava. Pois olhem, aí vai a
dica: quando desejarem alguma coisa, finquem o pé e batalhem, lutem e
tomem iniciativas, que certamente serão bem recompensados. Continuei
procurando o tal aparelhinho - e sem nada conseguir.
Um
belo dia, em minhas conversas com os colegas, disse para o Júlio Matos,
o Julinho, que estava querendo comprar uma distorção mas não sabia
onde. Para meu espanto ele me falou que tinha uma revista de eletrônica
com um “esquema”, ou seja, o diagrama de montagem de uma distorção. Foi
demais! O bom é que o Julinho gostava do assunto e sempre foi um técnico
muito competente e pesquisador. Além disso, ele ficou interessadíssimo e
disse que poderia tentar montar a tal “distorção”. Compramos todos os
componentes necessários para a montagem e depois de poucos dias estava
ele, o Julinho, chegando lá em casa com uma caixinha de metal, tirada de
alguma sucata, que deveria ter sido de alguma outra montagem ou
experiência anterior. Com muito cuidado, localizamos quais os locais de
entrada e de saída de som, para que a guitarra fosse conectada ao
aparelho, e este ao amplificador. Fizemos os cabos necessários, todas as
devidas soldas, “plugs” e pronto. Preparamo-nos para o resultado.
Acreditem: neste momento mais parecíamos dois soldados tentando desarmar
uma mina, na expectativa de uma explosão, tal era nosso grau de
ansiedade. Suspense total. Após ligar tudo, peguei a guitarra e toquei
algumas notas. De início, nenhuma alteração e ficamos naquela, os dois
meio sem jeito, sem olhar um para o outro. Fui tocando mais um pouco e
mexendo nos dois potenciômetros (botões de regulagem e outras funções)
que o aparelhinho possuía. De repente, o som ficou mais forte e pesado,
começando a distorcer. Nessa hora, eu comecei a rir muito e a dizer:
- É isso aí, olha cara, esse é o som que estava querendo, deu certo!
O Julinho estava incrédulo, visto que ele próprio não sabia que som ou efeito sua montagem seria capaz de produzir.
- O primeiro pedal tipo “wah-wah” de Fortaleza
O
conjunto sempre procurou criar um diferencial, fazer inovações. Por
exemplo, o Big Brasa foi o primeiro conjunto de Fortaleza a usar o pedal
conhecido como “wah-wah”. Eu tinha visto esse tipo de pedal em um filme
e apreciei muito os efeitos que produzia. Expliquei como funcionava e
para que servia e o tio João se encarregou de fazer a aquisição para
nós, em São Paulo.
Inauguramos
o “wah-wah” durante todo o Festival Nordestino da Música Popular,
realizado no Náutico Atlético Cearense, que teve como vencedora a música
Beira-Mar, do Ednardo, acompanhado pelo Big Brasa. Ligado à
guitarra-solo produzia sons diferentes e foi motivo de admiração.
Algumas pessoas chegavam a ficar com a boca fazendo o movimento
correspondente ao “wah-wah”.
Ao
longo de minha carreira como guitarrista-solo usei várias marcas de
pedais desse tipo. Sua característica, para quem é leigo ou não conhece
esse pedal de efeito, é a de possibilitar a que o músico alterne
rapidamente, através de movimento com o pé, um som agudo para um grave
ou vice-versa, produzindo efeitos espetaculares. Daí o nome desse pedal
ser “wah-wah”.
Em
uma de nossas idas a Parnaíba, um músico local me fez uma proposta
vantajosa para comprar meu “wah-wah”. A quantia que ele oferecia daria
para eu comprar dois pedais novos. Animado, concretizei o “grande
negócio”. E “dancei”, porque ao chegar a Fortaleza e manter ligações com
o tio João, descobri que aquele pedal não era mais fabricado e tive que
optar por uma marca pior, quase com o mesmo custo.
- A minha guitarra “Supersonic”
Tive
umas quatro ou cinco guitarras durante a existência do Big Brasa.
Cuidava muito bem delas, como até hoje tenho zelo por tudo que possuo. O
músico que se preza tem que tratar bem seu instrumento, conservando-o
sempre da melhor maneira possível. Uma dessas guitarras, a que mais
gostava, chegando mesmo a “conversar” com ela às vezes, foi uma
“Supersonic”, fabricada pela Gianinni. No princípio eu a usei por algum
tempo sem modificação nenhuma. Essa
guitarra possuía uma característica importante para um solista. Com ela
eu conseguia utilizar a alavanca diversas vezes sem que ela perdesse a
afinação (para quem é músico fica fácil entender). Nos improvisos em
rocks e blues coisa fundamental. Mesmo assim, um dia resolvi dar uma
melhorada nela, em suas formas e em seu som. Desmontei-a por inteiro,
inclusive seus componentes eletrônicos, como os três captadores de som,
sistema de alavanca, molas, cavalete, braço e tudo. Ao final estava
completamente desmontada. Eu olhava para as peças e pensava: será que
vai dar certo? Com uma pequena serra e depois lixas, cortei um pouco
suas formas de modo a que ficasse parecida com uma “Gibson”, uma das
melhores marcas do mundo. Depois começou a parte dos acabamentos.
Apliquei massa como se faz numa pintura de automóvel, no sentido de
laqueá-la. Adquiri um novo conjunto de captadores e escolhi um deles em
substituição a um dos originais, por ter uma sonoridade bem
interessante. Andei mexendo um pouquinho nos pequenos circuitos dos
controles de graves e agudos, acrescentando ou modificando, na base da
experimentação mesmo, alguns capacitores (componentes eletrônicos que,
dependendo de onde são usados, alteram o som). A pintura, de branco, foi
à pistola, com um cuidado todo especial. Ficou muito legal, parecendo
até mesmo “de fábrica”. Passei então à fase crítica da montagem, para
que ficasse afinando normalmente e conseguindo as “oitavas” numa boa.
Com um encordoamento “zerado”, não lembro a marca, comecei a testar a
“nova” guitarra. Deu certo! Estava com uma verdadeira “Gibson”,
home-made, que me serviu por muito tempo e que até hoje me traz ótimas
recordações.
- O primeiro órgão eletrônico
A
aquisição do primeiro órgão eletrônico - um Diatron - foi feita pelo
meu pai, na Mesbla, através de um cartão de crédito, cujas prestações
foram inúmeras e difíceis para serem quitadas. Lembro-me que ele
reclamava bastante no final do mês, quando ao pagar a prestação a dívida
pouco diminuía.
Com
a presença do órgão o Big Brasa evoluiu muito, tendo em vista o aumento
das possibilidades de arranjos, combinação das sonoridades, marcação
rítmica e base harmônica mais completa, além dos próprios solos do
instrumento. Esse Novatron não tinha muitos recursos, se comparado aos
equipamentos modernos: vibrato e alguns timbres diferentes, com os
controles de graves, agudos e volume, este feito através de um pedal que
volta e meia apresentava defeito - quase sempre em seu cabo de ligação.
- Ainda falando de teclados
No
segundo órgão, que a fábrica chamou de Novatron, algumas novidades, mas
a mesma essência. Nesse segundo equipamento é que houve a decepção, por
parte do Mestre Alberto, quando encontrou o órgão, em um final de
festa, com as laterais do
teclado e uma das teclas queimadas por um cigarro, por simples desleixo
do organista. Ele fala nisso até hoje. Na verdade um músico que se preza
e que compra seu instrumento com dificuldade, pelo menos em princípio
deveria ter muito cuidado e zelo com ele.
Posteriormente,
nos teclados que o Big Brasa usou, pudemos inovar bastante. Na época em
que passei a tocar teclados, quando tive que substituir o Adalberto,
adquiri três pedais (sustainner, phaser e flanger), os quais
interligados ao órgão produziam sons bem diferentes dos usuais,
despertando muita atenção por seus efeitos sonoros.
Além
de órgãos eletrônicos utilizei diversos outros teclados, a exemplo de
um sintetizador monofônico (para os que não leigos, que tocava uma nota
de cada vez, não produzindo acordes). Pouco tempo depois fui à São Paulo
e adquiri um sintetizador polifônico, mais moderno. Custou uma grana
violenta. Com ele a parte harmônica podia funcionar, visto que os
acordes soavam normalmente. Entretanto a dificuldade para programar os
diferentes sons e efeitos era muito grande. Perdia muito tempo e tinha
que ser mais operador do que músico. Não satisfeito com esse
equipamento, troquei-o em Fortaleza por um órgão eletrônico de dois
teclados e comprei um outro sintetizador, o Poly-800. Com o Poly-800 a gente tirava sons e efeitos incríveis. Daí por diante chegou a fase dos sintetizadores mais “pesados”, tipo DX-7, da Yamaha.
O
primeiro modelo DX7 era excelente, em seus diversos aspectos. Com sua
qualidade de som espetacular, o equipamento pesava aproximadamente oito
quilos e possuía um teclado de cinco oitavas, muito macio. Possibilitava
ao músico nele programar, ou seja, criar seus próprios sons e timbres à
vontade e armazená-los em sua
memória. O DX7 já vinha com um cartucho com uma infinidade de sons
programados, além daqueles previamente gravados de fábrica. Adquiri
depois outros cartuchos RAM, aqueles nos quais se pode gravar, e assim
pude gravar meus sons, timbres e combinações de sons prediletos para
utilizá-los em outro DX7, se necessário, levando apenas os cartuchos previamente gravados.
Mais
tarde consegui adquirir também um teclado Roland, modelo E-20, de
excelente qualidade. Com esse instrumento, eu e o Airton França formamos
uma dupla muito legal. Ele com um violão Ovation, de sonoridade ótima,
cantando (muito bem, por sinal) e até mesmo tocando piston, e eu fazendo
alguma parte de vocalização e tocando órgão e sintetizador. Na fase dos
órgãos eletrônicos modernos, cheguei a utilizar alguns desses teclados
que “fazem tudo”, com bateria, baixo, harmonia e efeitos para solo de
diversos tipos. Chamados também de “desempregadores” de músicos, visto
que um tecladista com um desses equipamentos pode substituir um conjunto
inteiro, dependendo do ambiente que esteja trabalhando.
Associado
a esses órgãos eletrônicos cada vez mais perfeitos, hoje em dia
mantenho ainda um sintetizador DX7 - II, da Yamaha, que possibilita
centenas de possibilidades de programação, enfim, um instrumento
utilizado pelos melhores grupos não só do Brasil mas do mundo inteiro.
Com esse DX7, utilizo também um teclado Roland, de sonoridade excelente.
Meus
filhos, Alberto Neto e Cristiane, desde pequenos demonstraram uma
grande afinidade pela música. “Filho de peixe, peixinho é”, diz o
ditado, pois mesmo quando crianças sempre gostavam de tocar em
instrumentos musicais de brinquedo. Em nossa casa, para não “perder a
forma”, ainda hoje mantemos uma pequena sala de música, com teclados,
guitarra, pedais, microfones, amplificadores, caixas de som, estante,
partituras e outros acessórios, onde todos nós somos freqüentadores. De
vez em quando estamos por lá para “tirar um som”.
João Ribeiro da Silva Neto
Do livro "O Big Brasa e minha vida musical" (1999)
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