Os transportes do Big Brasa
No
princípio era um jipe 51, que cabia todo mundo e mais o instrumental
completo. Não acreditam? É pura verdade. Uma bagunça danada, partes da
bateria espalhados, amplificadores minúsculos e algumas guitarras
pequeninas e cabos. Só isso, não tinha quase nada e dava para fazer a
festa!
Ah!
Tenho que falar mais desta inesquecível fase dos jipes. Marcante também
pelos verdadeiros “estragos” que eles faziam em nossos bolsos em razão
dos inúmeros consertos que de vez em quando neles era necessário
realizar. Em contrapartida nos deram muitas alegrias. Passava na
televisão, naquele tempo, o seriado “Ratos do Deserto”, sobre episódios
de guerra, no qual o jipe modelo 42, que assemelhava-se ao 51, aparecia
sempre. Eu fazia de tudo para que o nosso jipe fosse um “Rato do
Deserto”.
Se
você não se liga nesse papo de “pregos” em carros e oficinas, pule esta
parte. Agora se quiser se identificar comigo, sofrendo um pouco, vá em
frente. Às vezes eu passava dias inteiros na oficina do “Faúna”, que
localizava-se pertinho do Seminário Seráfico de Messejana, em um terreno
do lado direito de quem vai para Fortaleza pela Frei Cirilo, que
antigamente era a BR-116.
Para
manter os jipes em forma tínhamos que marcar presença constante nessas
oficinas. Um dia a parte elétrica, outro a carburação ou a caixa de
marchas, a embreagem. Mais raramente, por sorte nossa, um bloco de motor
rachado ou empenado, com uma junta do tampão queimada. Essas “coisinhas
simples” de resolver... Como eu tinha pouco dinheiro para pagar
mecânicos o jeito foi ir aprendendo a consertar de tudo um pouco,
inclusive pintura, chegando ao ponto de efetuar inúmeros consertos em
casa, com recursos e ferramentas próprios.
Certa
vez um desses jipes ficou quase um mês na oficina, para remendar a
lataria e fazer uma pintura nova. Paralelamente, o “Raimundo capoteiro”,
que ainda hoje trabalha no ramo, fazia uma capota conversível para
transformá-lo em clone de um “Rato do Deserto”, como aqueles jipes
usados pelos americanos que a gente vê nos filmes de guerra. Foi um
verdadeiro sufoco, e haja paciência para que o serviço fosse terminado.
Na verdade a oficina não podia se ocupar o tempo integral com nosso
amigo jipe e ficava parando de vez em quando para receber pequenos
consertos. Mas valeu a pena. Quando o jipe saiu parecia novinho em folha. Coloquei
a capota nova e foi um sucesso total. Por onde passava ou estacionava o
jipe era muito observado. Tão observado que em uma noite, enquanto
tocávamos uma festa de 15 anos na Aldeota, tivemos uma bela surpresa ao
sair. Tinham furtado nosso jipe. Tristeza, decepção, queixa na polícia e
nada. Veio aparecer perto do Círculo Militar, três dias após da
ocorrência. Os ladrões, depois de terem usado e abusado do jipe,
amassaram seu "capô", rasgaram o estofamento dos bancos, capota, tudo.
Foi uma verdadeira sacanagem - essa é a palavra - feita talvez por um
grupo de “filhinhos de papai” daquela área.
Mas
com todos os problemas, o fato é que os jipes 51 eram muito
resistentes, ajudaram o Big Brasa em seu início e nos trouxeram muita
sorte em nosso aprendizado no volante, apesar de que, coincidentemente,
no mesmo dia em que recebi a Carteira de Motorista, tirada em um jipe, a
tenha “inaugurado”, com uma batida na uma traseira de um fusca que
atravessou minha preferencial. Mas isto é outra história ...
Em
algumas oportunidades, com o Big Brasa recém-formado, também utilizamos
uma Kombi, dirigida pela tia Maria de Lourdes, quando ela ainda era
freira - chamada de “Irmã Margarida”. Ela também nos incentivava
bastante.
- A Rural
Antes
da compra da nossa Rural, alugávamos a do Colares, um policial que
fazia “bicos” como motorista. O Colares chegou a fazer algumas viagens
com o Big Brasa. Tipo de policial alto e forte, cabelos grisalhos,
sempre brincalhão e muito tranqüilo. Em certa ocasião, nós achamos o
máximo quando ele desceu a Serra da Ibiapaba, na maior calma, assobiando
e dirigindo apenas com uma das mãos. Hoje em dia temos a consciência de
que isso não é vantagem nenhuma, muito pelo contrário. Lembro também
que ele costumava brincar conosco, fazendo uma demonstração de força que
consistia em mandar cada um dos integrantes do conjunto subir em uma de
suas mãos, apoiada com os cinco dedos no chão, os quais sustentava sem
muito esforço. Depois conhecemos o “Seu” Fernando, motorista de praça
que nos prestou muitos serviços com a sua rural. O Fernando “Galba”,
como o apelidou o Adalberto, cuidava muito bem da manutenção de sua
rural e era super responsável com os compromissos do Big Brasa.
Mais
tarde, com a aquisição da nossa própria rural, veio também o reboque
que o Mestre Alberto mandou fazer para levar o instrumental. Dava um
trabalho muito grande para dirigir a rural com aquele reboque enorme.
Para guardá-la na garagem, com o reboque engatado nem se fala, era
dureza... Mais uma vez fomos treinados intensivamente ao volante e
adquirimos mais prática de estrada, como se diz. Toda essa experiência
foi importantíssima para mim.
Aquela
Rural, com bagageiro maior e na parte de cima, nos serviu muito. Tinha
um bom motor e mecânica razoável. Sua deficiência era na lataria, que
vez por outra estava enferrujando. Como a nossa rural tinha algum tempo
de uso, possuía folga na direção, o que sem dúvida se constituiu em um
treinamento forçado para todos aqueles que a dirigiram. Às vezes, quando
em uma estrada de asfalto ela puxava a direção para o lado esquerdo, ou
seja, para a contramão, a situação ficava complicada, pois tínhamos que
corrigir o volante para lá e para cá, em virtude da folga existente.
Iniciava-se assim um vai-e-vem desgraçado, um verdadeiro perigo...
O
tempo foi passando e surgiu a oportunidade da aquisição de uma Kombi, o
transporte ideal para o grupo naquele tempo. A nossa era uma modelo
1959, azul e branca, com o nome “Big Brasa” pintado nas laterais e na
traseira. Gratas recordações dessa Kombi, a qual por muito tempo serviu
ao Big Brasa. Era muito conhecida em Fortaleza. Um
dia, na volta de um passeio na Prainha, essa Kombi “bateu” o motor.
Como diz o ditado “há males que vêem para bem” e assim foi. No reparo
desse motor, foi transformada por mecânicos da Ceará Motor em uma 1968,
praticamente “do ano”, ficando completamente turbinada. Depois disso
nunca nos trouxe problemas maiores e fez inúmeras viagens pelo interior
cearense.
Com
o objetivo de impressionar a todos e chamar mais atenção eu mandei
instalar na Kombi uma descarga tipo “Kadron”, muito barulhenta. E usava
um truque para espantar os pedestres: desligava a chave com o motor em
funcionamento e uma marcha de força (uma segunda, por exemplo) engrenada
até que a velocidade fosse reduzindo e a compressão do motor
aumentando, logicamente. Aí então ligava a chave e ouvia-se uma
verdadeira “explosão” na descarga, que assustava quem estivesse passando
por perto na hora.
Certa
vez, para emplacá-la no DETRAN, tive que passar por uma vistoria. Daí
eu enchi o cano de escape com bombril, para abafar o ruído. Meu truque
não deu certo, apesar de testado anteriormente. Falhou na hora em que o
fiscal mandou que eu acelerasse bem o motor. O bombril saiu por completo
e eu tive que voltar para Messejana, nada satisfeito, para colocar uma
descarga normal. Depois de emplacada, o teimoso João Ribeiro trocou a
descarga nova pela Kadron de novo ...
“Massa”,
seria o adjetivo usado hoje para qualificar aquela camionete. Verde,
com duas cabines, seis faróis (os de milha eu acrescentei), a
“Chevrolet”, como a chamávamos, foi de grande utilidade para o Big
Brasa. Para completar aquele carrão eu mesmo nela instalei um som, com
amplificador, e alto-falantes bem distribuídos pelas duas cabines. Para
os padrões da época, o máximo. Íamos para as festas ouvindo as músicas
anteriormente ensaiadas ou então aquelas que a gente ainda tinha que
aprender para colocá-las no repertório do Big Brasa. Assim a gente unia o
útil ao agradável.
Essa
Chevrolet, segundo o Mestre Alberto, foi um verdadeiro atraso de vida
para ele, pelas despesas que deu em razão de alguns problemas mecânicos.
Em viagens ela agüentou firme várias vezes, inclusive no dia em que fez
duas viagens de Fortaleza a Mossoró, no mesmo dia, transportando
equipamentos do Conjunto e nosso próprio grupo para o baile de formatura
do Carló.
No
entanto, em uma noite quando voltávamos de uma festa, de Messejana à
Fortaleza, pela antiga BR-116 antes de sua duplicação, perto ou quase em
frente ao DNER, ela deu uma pifada violenta. Simplesmente “apagou” o
motor e não “pegava” mais. Tentamos de tudo. Como a gente já era
diplomado em mecânica, após ter passado por três jipes 51, verificamos a
parte elétrica, a alimentação, bomba de gasolina, corrente da bobina,
tudo. E nada de encontrar o defeito. Teve que sofrer a humilhação de ser
rebocada de volta.
O
difícil problema foi descoberto apenas no outro dia: um pequeno cano de
alimentação de combustível, por baixo da camionete, que estava
obstruído, provavelmente em razão de alguma pancada. Haja paciência...
Sobre
essa camionete, um fato interessante: um dia, quando meu pai estava em
seu trabalho na TV Educativa, um dos diretores, em conversa informal com
ele, contou que uma vez tinha conseguido se desfazer de um “verdadeiro
abacaxi” (que era a tal Chevrolet), empurrando-a para a frente, como se
diz, pois o carro tinha incendiado em suas mãos e, mesmo depois de
consertado, nunca mais ficou legal.
João Ribeiro da Silva Neto
Do livro "O Big Brasa e minha vida musical" (1999)
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