quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Fortaleza e os clubes da época


Fortaleza e os clubes da época


É importante dizer que nos anos 60 as diversões da vida noturna de Fortaleza se caracterizavam por bailes em clubes, diferentemente do que ocorre hoje em dia, com os mega-shows em casa de espetáculos de grande porte. Quem viveu os “Anos Dourados” certamente tem saudades das festas desse período.

Quem não se lembra dos preparativos que fazíamos para ir a alguma festa e de como os conjuntos musicais eram mais valorizados? E dos festivais, sempre muito freqüentados, as paqueras, a dança colada? Para nós músicos não era muito fácil, pois na maioria das vezes estávamos trabalhando nos finais de semana. Em nosso caso, quando o Big Brasa tinha folga nos contratos, saíamos de Messejana para nos divertir um pouco em algum clube. Entretanto, antes de nossa turma completar dezoito anos e poder dirigir, tínhamos que chamar um carro de praça, normalmente uma rural, para que nos conduzisse até o clube e voltasse na madrugada para nos trazer de volta para Messejana.    

Para se ter uma idéia do que rolava nas noites de Fortaleza, segue uma relação dos clubes que existiam na época, em ordem alfabética, nos quais o Big Brasa atuou, por várias vezes.

O Balneário Clube de Messejana, a Sociedade Bairro de Fátima, o Clube de Regatas Barra do Ceará. Mais adiante o Iracema, o Líbano, o Iate Clube de Fortaleza, o Ideal Clube, o Náutico Atlético Cearense, o América Futebol Clube, o CRA - Clube Recreativo da Aerolândia, a COFEBA (Colônia de Férias dos Funcionários do Bento Alves), o Recreio dos Funcionários, o Clube General Sampaio, o Vila União, o Massapeense, a Associação Atlética do Banco do Brasil (AABB), o Clube dos Diários, o Clube do Jornal O POVO (Messejana), o Clube da Caixa Econômica, o Maguari e o Memphis Clube, de Antônio Bezerra.

O BALNEÁRIO CLUBE DE MESSEJANA

Localizado às margens da Lagoa de Messejana, na qual, segundo a lenda, e o escritor José de Alencar, Iracema, a “virgem dos lábios de mel”, tomava banho e saía correndo até a Praia de Iracema, chegando a seu destino ainda com os cabelos molhados, tal a sua rapidez.

O Balneário Clube de Messejana tinha uma extensa área verde ao redor do salão, bem arborizada, formando um espaço muito agradável para seus freqüentadores. O clube possuía uma arquitetura simples, sendo amplo e bem estruturado, no que se refere ao salão de dança e palco. Deixava muito a desejar pela precariedade de suas instalações de secretaria, bar e da própria fachada.

A vista do Balneário era muito bonita, tendo como cenário a belíssima Lagoa de Messejana, que às tardes nos proporcionava um pôr-do-sol magnífico, com cintilantes reflexos em suas águas. Nas manhãs dos sábados e domingos, podíamos ver algumas velozes lanchas, circulando a lagoa, em passeios que deviam ser muito agradáveis. Naquela época, como ainda hoje, aquilo era privilégio de gente rica.

Nossa turma freqüentava o Balneário para jogar pingue-pongue, tomar banho de lagoa, jogar bola, paquerar e dançar nas tertúlias. Praticamente toda a pequena comunidade de Messejana se encontrava no Balneário. Todo mundo se conhecia. Vivemos, pode-se dizer, a fase áurea do Balneário de Messejana.

As pessoas de “elite” e o preconceito

Messejana, como também Fortaleza nos anos 60, tinha algumas famílias tradicionais que se sentiam superiores às demais. Como exemplo o Balneário Clube de Messejana, às margens da lagoa de mesmo nome, que foi por muito tempo um clube preconceituoso onde só deveria freqüentar pessoas tidas como de “boa linhagem”.

Pelo Balneário passaram ótimas orquestras, oriundas de outras regiões do País. Em todas as festividades os grupos tinham que atender as preferências musicais dos ditos “nobres”. Para exemplificar o preconceito existente nas cabeças de quase todos os diretores do Balneário, no final de década de 60, ou para quem é detalhista no ano em que o América Futebol Clube foi campeão cearense, havia um jogador em seu plantel que destacou-se de forma brilhante por boas atuações. Chamava-se José Deusimar Moreira Pontes, mas era conhecido por “Pinha”, seu apelido. Nosso vizinho e amigo, o Pinha jogou a princípio no Salgado da Gama e depois de uma bem sucedida campanha por aquele clube, foi contratado pelo América onde fez boa figura. Posteriormente foi contratado pelo Maranhão Atlético Clube, onde ficou conhecido como o “Pelé cearense”. Pois bem, durante uma das animadas matinais que o Big Brasa tocava no Balneário, o referido jogador adentrou ao clube, ocasião em que meu pai fez referências elogiosas a ele ao microfone. Pelo ocorrido o Mestre Alberto foi seriamente criticado pela diretoria do clube e pela “nobreza” messejanense, por terem achado um absurdo a menção a um jogador de futebol naquele recinto...

Outra vez, em uma promoção do próprio Big Brasa, realizada no Balneário clube de Messejana, um dos diretores chegou a dizer que algumas mulheres de programa tinham sido vistas durante o evento. Falsa moral, daquele cidadão. À sua colocação, o Mestre Alberto respondeu:

- Rapaz, é o seguinte: desde que não esteja dançando nua, tenha pago ingresso e esteja se comportando adequadamente, não há problema nenhum nisso.  Teimosamente, esse mesmo diretor insistia sempre no triste preconceito, dizendo para o meu pai:

- Não adianta querer popularizar o Balneário, que você não vai conseguir, seu Alberto ... 

Realmente o Balneário não se popularizou, como desejava meu pai e todos nós, e veio a amargar um melancólico fracasso, tempos depois, indo totalmente à bancarrota por conta de suas diretorias locais de “elite”.

A TÃO ESPERADA ESTRÉIA E O PREFIXO -  “AND I LOVE HER”
 
Lembro bem da primeira festa, da estréia do Big Brasa no Balneário Clube de Messejana. Passamos o mês inteiro nos preparando, ensaiando as músicas que fizeram parte de nosso primeiro repertório. No dia “D”, amanheci com muita ansiedade, gerada pela expectativa do evento. Afinal de contas seria uma apresentação pública e teríamos que animar uma tertúlia, responsabilidade e tanto, principalmente para quem nunca tinha participado daquilo.

À noite, todos os componentes do Big Brasa, com a indumentária escolhida para a estréia, esperaram pela hora da festa começar na secretaria do clube, para fazer surpresa do visual do grupo aos presentes. Eu estava sentado em um banquinho, muito nervoso e até mesmo com um pouco de dor de barriga. Quando chegou a hora “H”, ouvimos alguém anunciar a entrada do conjunto. Nos deslocamos da secretaria e finalmente subimos ao palco. Fomos bastante aplaudidos. Eu não enxergava praticamente ninguém. Comecei a tocar o prefixo, And I Love Her, dos Beatles, com a guitarra, mas quase minhas mãos trêmulas não atendiam as notas desejadas. Minutos depois senti mais firmeza, em parte também motivada pelos aplausos do público presente, e aquele impacto da estréia foi sendo aos poucos superado.

Posso dizer que essa estréia foi verdadeiramente estressante para mim, de modo especial por ser eu quem liderava o grupo no que diz respeito a mudanças de músicas e a seqüência do repertório, além da preocupação em tocar o próprio instrumento. Com o tempo todos nós adquirimos mais segurança e aquele nervosismo natural foi gradualmente desaparecendo, o que nos possibilitou enfrentar públicos de qualquer proporção com muita tranqüilidade.

AS TERTÚLIAS NO BALNEÁRIO CLUBE DE MESSEJANA

No Balneário foram inúmeras as apresentações feitas pelo Big Brasa. Nas primeiras, por idéia de meu pai, o Mestre Alberto, durante o intervalo, eu e o Carló saíamos de mesa em mesa, ao redor das mesas, tocando com escaleta e violão as músicas de maior sucesso no momento, sendo que uma delas era “Les Marionettes”, do Herbert Albert.

Além das tertúlias, tocávamos matinais e vesperais. Em 1969 chegamos a tocar um carnaval inteiro no Balneário. Contratamos mais alguns músicos, para instrumentos de sopro e de percussão, e fizemos quatro bailes carnavalescos sem problemas. Nosso desempenho foi plenamente satisfatório e o conjunto atendeu à expectativa geral.

Como sempre o Clube, através de suas diversas diretorias, ao longo da existência do Big Brasa nos convidou sempre para “prestigiar a prata da casa”, ou seja, para tocar mais barato. O Balneário, nem o pessoal de Messejana, com pouquíssimas exceções, nunca nos deu nada, nem uma corda de guitarra. No final dessa nossa primeira experiência com carnaval, o clube pagou apenas uma parte da quantia acertada alegando prejuízo. Tivemos que arcar com o pagamento dos músicos e passar o resto do ano inteiro para receber o restante, no “pinga-pinga”.

 O PRIMEIRO BAILE DE 15 ANOS
 
Foi tocado na Associação Atlética do Banco do Brasil (AABB), em Fortaleza. O Big Brasa para esta ocasião usou um traje especial, com calças pretas, camisas de seda branca, com destaques em bordado, e uma faixa vermelha de veludo na cintura. O conjunto, por iniciativa de meu pai, levou um presente para a aniversariante. O repertório estava bem organizado, vestuário também, instrumental quase completo e o nosso grupo já começava a se estruturar. Muito importante nesse período era o entusiasmo e a boa vontade da parte de todos, na ânsia de aprender mais e progredir no cenário artístico fortalezense. Nessa época a música, a guitarra e o conjunto não saíam de meu pensamento.

Detalhe: na fotografia abaixo, tirada pelo grupo nesse baile, a nossa primeira bateria aparece com os dois suportes do bombo inteiros. Mais adiante, após a quebra do tal suporte, foi preciso a utilização de um transformador velho para escorá-lo.


João Ribeiro da Silva Neto
Do livro "O Big Brasa e minha vida musical" (1999)

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