quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Os transportes do Big Brasa


Os transportes do Big Brasa


No princípio era um jipe 51, que cabia todo mundo e mais o instrumental completo. Não acreditam? É pura verdade. Uma bagunça danada, partes da bateria espalhados, amplificadores minúsculos e algumas guitarras pequeninas e cabos. Só isso, não tinha quase nada e dava para fazer a festa!
Ah! Tenho que falar mais desta inesquecível fase dos jipes. Marcante também pelos verdadeiros “estragos” que eles faziam em nossos bolsos em razão dos inúmeros consertos que de vez em quando neles era necessário realizar. Em contrapartida nos deram muitas alegrias. Passava na televisão, naquele tempo, o seriado “Ratos do Deserto”, sobre episódios de guerra, no qual o jipe modelo 42, que assemelhava-se ao 51, aparecia sempre. Eu fazia de tudo para que o nosso jipe fosse um “Rato do Deserto”.
Se você não se liga nesse papo de “pregos” em carros e oficinas, pule esta parte. Agora se quiser se identificar comigo, sofrendo um pouco, vá em frente. Às vezes eu passava dias inteiros na oficina do “Faúna”, que localizava-se pertinho do Seminário Seráfico de Messejana, em um terreno do lado direito de quem vai para Fortaleza pela Frei Cirilo, que antigamente era a BR-116.
Para manter os jipes em forma tínhamos que marcar presença constante nessas oficinas. Um dia a parte elétrica, outro a carburação ou a caixa de marchas, a embreagem. Mais raramente, por sorte nossa, um bloco de motor rachado ou empenado, com uma junta do tampão queimada. Essas “coisinhas simples” de resolver... Como eu tinha pouco dinheiro para pagar mecânicos o jeito foi ir aprendendo a consertar de tudo um pouco, inclusive pintura, chegando ao ponto de efetuar inúmeros consertos em casa, com recursos e ferramentas próprios. 
Certa vez um desses jipes ficou quase um mês na oficina, para remendar a lataria e fazer uma pintura nova. Paralelamente, o “Raimundo capoteiro”, que ainda hoje trabalha no ramo, fazia uma capota conversível para transformá-lo em clone de um “Rato do Deserto”, como aqueles jipes usados pelos americanos que a gente vê nos filmes de guerra. Foi um verdadeiro sufoco, e haja paciência para que o serviço fosse terminado. Na verdade a oficina não podia se ocupar o tempo integral com nosso amigo jipe e ficava parando de vez em quando para receber pequenos consertos. Mas valeu a pena. Quando o jipe saiu parecia novinho em folha. Coloquei a capota nova e foi um sucesso total. Por onde passava ou estacionava o jipe era muito observado. Tão observado que em uma noite, enquanto tocávamos uma festa de 15 anos na Aldeota, tivemos uma bela surpresa ao sair. Tinham furtado nosso jipe. Tristeza, decepção, queixa na polícia e nada. Veio aparecer perto do Círculo Militar, três dias após da ocorrência. Os ladrões, depois de terem usado e abusado do jipe, amassaram seu "capô", rasgaram o estofamento dos bancos, capota, tudo. Foi uma verdadeira sacanagem - essa é a palavra - feita talvez por um grupo de “filhinhos de papai” daquela área.
Mas com todos os problemas, o fato é que os jipes 51 eram muito resistentes, ajudaram o Big Brasa em seu início e nos trouxeram muita sorte em nosso aprendizado no volante, apesar de que, coincidentemente, no mesmo dia em que recebi a Carteira de Motorista, tirada em um jipe, a tenha “inaugurado”, com uma batida na uma traseira de um fusca que atravessou minha preferencial.      Mas isto é outra história ... 
Em algumas oportunidades, com o Big Brasa recém-formado, também utilizamos uma Kombi, dirigida pela tia Maria de Lourdes, quando ela ainda era freira - chamada de “Irmã Margarida”. Ela também nos incentivava bastante.
- A Rural
Antes da compra da nossa Rural, alugávamos a do Colares, um policial que fazia “bicos” como motorista. O Colares chegou a fazer algumas viagens com o Big Brasa. Tipo de policial alto e forte, cabelos grisalhos, sempre brincalhão e muito tranqüilo. Em certa ocasião, nós achamos o máximo quando ele desceu a Serra da Ibiapaba, na maior calma, assobiando e dirigindo apenas com uma das mãos. Hoje em dia temos a consciência de que isso não é vantagem nenhuma, muito pelo contrário. Lembro também que ele costumava brincar conosco, fazendo uma demonstração de força que consistia em mandar cada um dos integrantes do conjunto subir em uma de suas mãos, apoiada com os cinco dedos no chão, os quais sustentava sem muito esforço. Depois conhecemos o “Seu” Fernando, motorista de praça que nos prestou muitos serviços com a sua rural. O Fernando “Galba”, como o apelidou o Adalberto, cuidava muito bem da manutenção de sua rural e era super responsável com os compromissos do Big Brasa.
Mais tarde, com a aquisição da nossa própria rural, veio também o reboque que o Mestre Alberto mandou fazer para levar o instrumental. Dava um trabalho muito grande para dirigir a rural com aquele reboque enorme. Para guardá-la na garagem, com o reboque engatado nem se fala, era dureza... Mais uma vez fomos treinados intensivamente ao volante e adquirimos mais prática de estrada, como se diz. Toda essa experiência foi importantíssima para mim.
Aquela Rural, com bagageiro maior e na parte de cima, nos serviu muito. Tinha um bom motor e mecânica razoável. Sua deficiência era na lataria, que vez por outra estava enferrujando. Como a nossa rural tinha algum tempo de uso, possuía folga na direção, o que sem dúvida se constituiu em um treinamento forçado para todos aqueles que a dirigiram. Às vezes, quando em uma estrada de asfalto ela puxava a direção para o lado esquerdo, ou seja, para a contramão, a situação ficava complicada, pois tínhamos que corrigir o volante para lá e para cá, em virtude da folga existente. Iniciava-se assim um vai-e-vem desgraçado, um verdadeiro perigo...
 -  A Kombi “Big Brasa”
O tempo foi passando e surgiu a oportunidade da aquisição de uma Kombi, o transporte ideal para o grupo naquele tempo. A nossa era uma modelo 1959, azul e branca, com o nome “Big Brasa” pintado nas laterais e na traseira. Gratas recordações dessa Kombi, a qual por muito tempo serviu ao Big Brasa. Era muito conhecida em Fortaleza. Um dia, na volta de um passeio na Prainha, essa Kombi “bateu” o motor. Como diz o ditado “há males que vêem para bem” e assim foi. No reparo desse motor, foi transformada por mecânicos da Ceará Motor em uma 1968, praticamente “do ano”, ficando completamente turbinada. Depois disso nunca nos trouxe problemas maiores e fez inúmeras viagens pelo interior cearense.
Com o objetivo de impressionar a todos e chamar mais atenção eu mandei instalar na Kombi uma descarga tipo “Kadron”, muito barulhenta. E usava um truque para espantar os pedestres: desligava a chave com o motor em funcionamento e uma marcha de força (uma segunda, por exemplo) engrenada até que a velocidade fosse reduzindo e a compressão do motor aumentando, logicamente. Aí então ligava a chave e ouvia-se uma verdadeira “explosão” na descarga, que assustava quem estivesse passando por perto na hora.
Certa vez, para emplacá-la no DETRAN, tive que passar por uma vistoria. Daí eu enchi o cano de escape com bombril, para abafar o ruído. Meu truque não deu certo, apesar de testado anteriormente. Falhou na hora em que o fiscal mandou que eu acelerasse bem o motor. O bombril saiu por completo e eu tive que voltar para Messejana, nada satisfeito, para colocar uma descarga normal. Depois de emplacada, o teimoso João Ribeiro trocou a descarga nova pela Kadron de novo ...
“Massa”, seria o adjetivo usado hoje para qualificar aquela camionete. Verde, com duas cabines, seis faróis (os de milha eu acrescentei), a “Chevrolet”, como a chamávamos, foi de grande utilidade para o Big Brasa. Para completar aquele carrão eu mesmo nela instalei um som, com amplificador, e alto-falantes bem distribuídos pelas duas cabines. Para os padrões da época, o máximo. Íamos para as festas ouvindo as músicas anteriormente ensaiadas ou então aquelas que a gente ainda tinha que aprender para colocá-las no repertório do Big Brasa. Assim a gente unia o útil ao agradável.
Essa Chevrolet, segundo o Mestre Alberto, foi um verdadeiro atraso de vida para ele, pelas despesas que deu em razão de alguns problemas mecânicos. Em viagens ela agüentou firme várias vezes, inclusive no dia em que fez duas viagens de Fortaleza a Mossoró, no mesmo dia, transportando equipamentos do Conjunto e nosso próprio grupo para o baile de formatura do Carló.
 No entanto, em uma noite quando voltávamos de uma festa, de Messejana à Fortaleza, pela antiga BR-116 antes de sua duplicação, perto ou quase em frente ao DNER, ela deu uma pifada violenta. Simplesmente “apagou” o motor e não “pegava” mais. Tentamos de tudo. Como a gente já era diplomado em mecânica, após ter passado por três jipes 51, verificamos a parte elétrica, a alimentação, bomba de gasolina, corrente da bobina, tudo. E nada de encontrar o defeito. Teve que sofrer a humilhação de ser rebocada de volta.
O difícil problema foi descoberto apenas no outro dia: um pequeno cano de alimentação de combustível, por baixo da camionete, que estava obstruído, provavelmente em razão de alguma pancada. Haja paciência...
Sobre essa camionete, um fato interessante: um dia, quando meu pai estava em seu trabalho na TV Educativa, um dos diretores, em conversa informal com ele, contou que uma vez tinha conseguido se desfazer de um “verdadeiro abacaxi” (que era a tal Chevrolet), empurrando-a para a frente, como se diz, pois o carro tinha incendiado em suas mãos e, mesmo depois de consertado, nunca mais ficou legal.


João Ribeiro da Silva Neto
Do livro "O Big Brasa e minha vida musical" (1999)

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