quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Os equipamentos e as dificuldades da época


Os equipamentos e as dificuldades da época

  
-      As primeiras guitarras

Nossas primeiras guitarras foram adquiridas do conjunto “Os Rataplans”, dos meus amigos César Barreto e seu irmão Antônio Carlos Barreto Filho, o Barretinho, que infelizmente nos deixou há algum tempo. Eles tocavam com guitarras de fabricação caseira. Instrumentos bem construídos, leves, e que deveríamos ter mantido até hoje como verdadeiras relíquias musicais. Como “Os Rataplans” estava em vias de renovar seu instrumental, adquirimos dele duas guitarras e um contrabaixo.

Com esses instrumentos fizemos nossa grande estréia, no Balneário Clube de Messejana, e na minha primeira guitarra por muitas vezes toquei o prefixo do Big Brasa, “And I Love Her”, dos Beatles. A renovação de nosso equipamento transcorreu de forma gradual e contínua, nos anos seguintes, de acordo com nossas possibilidades financeiras e com o progressivo aumento do número de contratos.

Sobre essa pequena guitarra vale mencionar que poucos dias antes de nossa primeira apresentação o César Barreto esteve em nossa casa e me ensinou a introdução da música “O Tijolinho”, na tonalidade de Lá Maior. Eu ficava simplesmente fascinado com o som que ele conseguia “tirar” e pela facilidade que tocava a guitarra, parecia brincadeira. Para o César aquilo era a coisa mais simples do mundo, porque tinha prática e estava bem acostumado com o instrumento. Olhando para ele, eu pensava: “puxa, será que vou conseguir tocar desse jeito algum dia?”. O César  e todos os seus companheiros de conjunto, o Barretinho (guitarra e vocal), o Camelo (baterista) e o Adilson (contrabaixista) sempre deram a maior força para nós.

-      O uso do contrabaixo

Para aqueles que são leigos ou não têm muita percepção musical, a falta de um contrabaixo em um conjunto é mais ou menos como a falta de um goleiro em um time de futebol, para ser  “sutil”  na comparação. Ou a mesma coisa que sentir-se inteiramente nu, em plena Praça do Ferreira, no meio de uma multidão. O negócio é “brabo”. Quando a gente está tocando uma música, e o contrabaixo, por algum motivo, pára de funcionar ou deixa de tocar algumas notas, sente-se um vácuo, um vazio, uma sensação estranhíssima. Quando ele volta é uma beleza, o sangue retorna, a música fica mais harmoniosa, enfim, tudo vai bem. O contrabaixista tem que ser um cara ligado. Não pode faltar nem por poucos instantes.

No início dos chamados Anos Dourados, nós do Big Brasa, em Fortaleza, particularmente pela falta de equipamentos e informações musicais diversas, tocávamos sem contrabaixo. Acostumados que estávamos a cantar com o acompanhamento de violão ou violões, a substituição pelas guitarras foi aceita com todo o entusiasmo e não se notava muito a falta de um contrabaixo pelo próprio desconhecimento de sua necessidade, conforme foi dito.

Ainda bem que foi por pouco tempo. Depois que se acostuma pelo menos por uma vez a tocar com a marcação e com a harmonia proporcionadas pelo contrabaixo não se consegue mais retornar à situação anterior.

A entrada do contrabaixo no Big Brasa foi  incentivada  pelo “quase irmão” e grande amigo, o saudoso Barretinho, irmão do César Barreto. Excelente músico, saxofonista, guitarrista e vocalista dos “Rataplans”. Ele insistiu com o meu pai, dizendo que o contrabaixo era a alma de um conjunto e que não se podia tocar sem ele. Daí para a frente a coisa mudou - e para bem melhor! 

Vale dizer que nas próprias gravações iniciais dos anos 60, o contrabaixo não era destacado como merece. Ouvia-se seu som e sua marcação, mas os destaques e maior presença do instrumento nos arranjos musicais veio mais tarde. Hoje a gente percebe que as músicas que caracterizaram a Jovem Guarda, gravadas na época do iê-iê-iê, (música “pop”, como também era designada na época), por exemplo, têm aquele sonzinho de lata, meio “fajuto”, se comparado à qualidade que se possui na atualidade.

-      Instrumentos e acessórios musicais

No início do Big Brasa tudo era muito difícil em Fortaleza. Não havia nenhuma loja especializada em instrumentos musicais. Algumas possuíam seções com poucos instrumentos ou acessórios. A diversificação dos produtos oferecidos era mínima. Por exemplo, quando se encontrava um tipo de encordoamento ou mesmo simplesmente “palhetas” para violão em determinado lugar você já poderia se dar por satisfeito.

Havia, no entanto, a casa do Sr. Aurélio (avô do saxofonista Zezinho), no Benfica, onde podíamos encontrar peles diversas para bateria, palhetas para guitarra (isso mesmo!) palheta era coisa difícil para caramba. Também baquetas e outros acessórios, como cordas para guitarra e contrabaixo. Esses acessórios somente podiam ser encontrados lá. Hoje em dia a casa ainda vende esses materiais, dirigida pelas sobrinhas e outros familiares do Sr. Aurélio, já falecido. Esse senhor, nós descobrimos que nasceu parece que em Riachão, mesma terra de minha mãe. Um dia desses, recentemente, estive por lá para comprar um encordoamento de nylon, à noite. Uma das senhoras me reconheceu prontamente. Muita memória, depois de aproximadamente 25 anos. Mas disse que estava um pouco mudado, mais gordo etc. Imagine ela... Mas é assim mesmo, quando se passa bastante tempo sem ver alguém, imaginamos que a pessoa permanece tal como está armazenada em nossa memória, com os traços intactos. Mas o tempo vai nos pregando surpresas.

Em outra oportunidade encontrei, em uma feira de informática, com um guitarrista, chamado Evaldo, que tocava em um conjunto do Bairro de Fátima. Ao me ver, ele disse, muito admirado:

- Puxa, cara, você não mudou nada, não tem nenhum cabelo branco, o que é que você tem feito?

O Evaldo é apenas um pouco mais velho do que eu  e já estava com a cabeça toda branca. Um dos segredos, acho eu, é aprender a encarar com tranqüilidade a ação do tempo e sempre avaliar cada situação de acordo com nosso potencial do momento.

-      Os amplificadores e as caixas de som

As caixas de som, como chamávamos, no início eram pequenas e integradas aos amplificadores. Tínhamos no Big Brasa amplificadores de 6, 8 e 10 Watts, com as caixas de som, com mais ou menos 70 a 80 centímetros de altura, coisas simplesmente ridículas se comparadas ao que existe hoje em dia em matéria de equipamentos musicais. Tanto que pouco aparecem nas fotografias, escondidas atrás dos músicos. Imaginem só: duas guitarras ligadas a um amplificador de 6 Watts, com um alto-falante de 6 ou 8 polegadas. Que sonzão!

Com o aumento da potência e da qualidade dos equipamentos, nos anos seguintes os amplificadores começaram a ser produzidos em módulos, separadamente das caixas de som. Abaixo seguem-se comentários sobre alguns desses equipamentos, para que vocês tenham uma idéia mais precisa do material que nós trabalhamos.

-      O amplificador Delta
 
Um dos primeiros equipamentos utilizados pelo Big Brasa para o som de voz  foi o amplificador Delta. Tinha o gabinete parecido com os rádios  transmissores e receptores da mesma marca. Aquecia demais e precisava funcionar com a tampa aberta, para receber mais ventilação. Em uma das funções do Big Brasa, o “bicho” estava dando problema. O papai, cheio de boa vontade, foi se meter a técnico e, inocentemente, meteu a mão dentro do Delta para apertar uma válvula de saída de áudio, daquelas tipo chupeta. Queimou a ponta do dedo, logicamente. Além do susto, o choque também não deve ter sido pequeno. Ainda vai, Mestre Alberto?

O superaquecimento dos amplificadores foi um problema seríssimo para o conjunto. Eles ficavam “mesmo que fogo” e exatamente por isso apresentavam defeito com maior facilidade do que os atuais, queimando ou danificando filamentos de válvulas. Um dos macetes que descobrimos foi o de não transportar o equipamento logo após de desligá-los. Os bigus esperavam um pouco, tempo suficiente para que as válvulas esfriassem e pudessem ser movimentadas sem pifar. Mais tarde, o papai apresentou uma idéia muito legal para a solução do problema, imediatamente adotada. Foi a de comprar pequenos ventiladores, os quais, sobre uma chapa de sustentação colocada embaixo dos amplificadores, passavam o tempo todos ligados, não deixando o superaquecimento chegar. Os prejuízos decorrentes de equipamentos quebrados por esse problema diminuíram depois desta simples, mas excelente idéia.

Após esse amplificador Delta, surgiu mais um avanço: o serviço de som Gianinni, modelo A-100, valvulado, composto de dois módulos, em um “rack”, com suas colunas de som e os seus respectivos suportes laterais. Na parte de cima do “rack” ficava instalado o misturador, para seis microfones, e na parte de baixo, o amplificador de potência. Naquele época, era um dos melhores. Comparando-se ao que existe hoje é como se estivéssemos utilizando uma mesa de som estéreo, com “tudo que tem direito” e muita qualidade e potência de som. Cada aquisição de equipamento causava intensa satisfação para todos, como esse serviço de som A-100, comprado na Mesbla.

Num dos carnavais  que tocamos em Cascavel descobrimos que o som estava baixando (oscilando) muito por causa de uma válvula que estava frouxa em seu suporte. Quente para caramba, mas o Marcílio, que foi o cantor daquela jornada momina, de vez em quando ficava apertando a tal válvula para que o som melhorasse. Ele lembra e ri muito desse lance até hoje. No ano seguinte surgiram outros modelos, o A-200 e o A-300, um pouco melhores e mais potentes.

Pouco a pouco, com o avanço tecnológico, novas marcas e modelos de amplificadores apareceram no mercado. Fomos renovando nosso equipamento, pouco a pouco. Surgiram os amplificadores “Tremendão”, da Gianinni, com potência de 100 Watts de saída, para guitarras, órgãos eletrônicos, voz e contrabaixo. Essas “caixas” permaneceram bastante tempo no mercado e tinham uma saída incrível. Todo mundo desejava ter um amplificador “Tremendão”.  O amplificador tinha quatro válvulas de saída de áudio tipo “6L6”, que produziam uma sonoridade aveludada, um som mais puro. Para as caixas de contrabaixo usávamos as válvulas “EL-34”, que se encaixavam nos mesmos soquetes (encaixes para válvulas) mas que tinham um som mais agressivo e duro, bem apropriado ao instrumento. Essas máquinas resistiam bem à rotina de ensaios e funções variadas, com transportes para lá e para cá toda hora.

Outra novidade que os amplificadores Tremendão trouxeram foi o Reverber. Consistia em um circuito ligado a um módulo que ficava dentro do amplificador, numa caixa metálica com duas molas e pequenas bobinas, que pelo circuito eletrônico produziam  reverberação no som. O reverber enriquecia a qualidade de áudio nos solos e também em marcações feitas pelas guitarras. Depois de acostumados a ele, parece que incorporávamos sua sonoridade. A reverberação por ele produzida podia ser controlada através de botões específicos, no amplificador. Quando apresentava algum defeito, aí complicava. Era a desvantagem: quando um fiozinho desligava lá por dentro, em especial do compartimento metálico de molas e minúsculos transformadores, disparava uma microfonia (aquele apito bem alto, que incomoda bastante) para valer. E aí o Reverber tinha que ser desligado imediatamente, pois a microfonia tornava-se insuportável. Não posso falar de reverber sem mencionar a música “O Milionário”, que sem esse recurso era quase impraticável de ser executada. Em algumas festas, quando essa música estava “na parada”, cheguei a tocá-la inúmeras vezes.

-      O amplificador True Reverber (Gianinni)

Usamos esse amplificador para a guitarra-solo. Tinha excelente qualidade, mas pouca potência sonora. Quando se aumentava o volume mais um pouco o som ficava distorcido.

-      A caixa e amplificador Alex

Esse amplificador possuía muita potência. Nos causou espanto pela primeira vez que tivemos que abri-lo, para substituir um alto-falante que estava com problemas. Tentamos abrir a caixa da forma convencional e conseguimos ver os alto-falantes. Depois de alguns minutos alguém notou uma abertura dentro da caixa, e ao olharmos para cima logo os encontramos, mas em posição não convencional, ou seja, virados para baixo. A arquitetura sonora era diferente das demais, que tinham os alto-falantes parafusados na parte frontal da caixa de som.

Havia uma preocupação e a necessidade de trocar de equipamentos com relativa freqüência, em razão da concorrência. Por isso mesmo é que a maioria dos conjuntos não agüentava a barra e ia à falência cedo. Por outro lado, para economizar também fazíamos reformas nos equipamentos, como troca de cobertura de napa, cantoneiras, pintura de suportes e outras. Cansei de passar noites quase inteiras, madrugada adentro, retirando coberturas de napa dos amplificadores e das caixas de som e recobrindo-os com novo material. Dava um trabalho lascado. Puxa aqui, estira dali e pronto. Amplificadores e caixas novos de novo! Volta e meia ficava um canto mal feito mas tudo bem, não dava para ninguém notar e a economia tinha sido feita...

Desse modo o esforço estava plenamente recompensado pelo prazer de nos apresentar com um instrumental novinho, bonito, e com um som legal.
  
-      Os consertos de emergência e as improvisações

Muitas vezes tínhamos que fazer consertos de emergência nos amplificadores, na Capital ou no interior do Estado, quase sempre com pouco ou nenhum material específico. As válvulas de saída de áudio eram a “EL-34” e a “6L6”, que tinha um som melhor. Num desses dias, em Pacoti, foi feita uma solda em um fio da bobina de um reverber, com um ferro de soldar enorme, aquecido por uma forja. Vejam a “sutileza” dessa soldagem.

Em outra oportunidade o Carló desmontou um amplificador de contrabaixo, durante um baile, conseguiu localizar o defeito e trocar um resistor (componente eletrônico), tendo o equipamento voltado a seu funcionamento normal depois daquela rápida intervenção. Mas a verdade é que muitas vezes não conseguimos nos sair tão bem. Em algumas oportunidades os amplificadores pifaram mesmo, para valer, e não teve jeito. Nós sabíamos, mais ou menos, quando o defeito era sério, pela experiência. E também o bom senso para decidir se daria ou não tempo para consertá-lo na hora, coisa muito difícil, por inúmeras razões: falta de peças ou componentes eletrônicos, falta de meios técnicos apropriados, de material e de tempo para o reparo. Em virtude disso, houve períodos que o Big Brasa sempre andava com um amplificador de reserva, para qualquer emergência.

-      Os cabos e as extensões, sempre problemáticos

Tenho que falar dos cabos. Cabos e mais cabos “coaxiais”, para ligações dos diversos instrumentos (guitarras, contrabaixo, microfones e teclados) aos amplificadores e as extensões elétricas. Não podia confiar neles, nem em seus “plugs” ou conectores. Mesmo quando não apresentavam defeito durante as apresentações, quando alguém neles pisava, ou simplesmente suas ligações se rompiam com nossos movimentos, no dia seguinte eu ia examinar um por um. Isso porque na hora de dobrá-los, ao fim dos bailes,  poderia dar problema e alguma ligação se romper. Pegava logo o ferro de soldar, solda, alicate de corte, sentava-me no chão ou em algum banquinho e começava a revisão. Meu filho Alberto Neto, ainda criança, invariavelmente ficava me “ajudando” nessas manutenções.

-      A famosa “mala-da-cobra”

Em geral, todo técnico que se preza e também os conjuntos musicais têm uma “mala da cobra”. Chamávamos de “mala-da-cobra” toda caixa, bolsa ou qualquer outro tipo de depósito para transportar os cabos, as extensões e outras miudezas necessárias ao funcionamento do conjunto, tipo “plugs” diversos, conectores, tomadas, fita isolante, parafusos extras e tudo aquilo que se imagina que poderá quebrar numa apresentação. A tal mala deveria conter ainda ferramentas de primeira necessidade, para as emergências.

Esse nome “mala-da-cobra” se justificou muito bem quando, em uma ocasião, o conjunto tinha acabado de tocar em um clube de Sobral e ao final da festa fomos guardar as tumbadoras em seus estojos de proteção. Dentro deles foi encontrada uma cobra. Que susto. A cobra, certamente se encantou com o som do Big Brasa e com o calor dos estojos. 

-      A primeira bateria
 
Toda azul, com as partes metálicas de cor cinza metálico, foi adquirida da charanga do Gumercindo, líder da torcida do Fortaleza Futebol Clube. Lembro como se fosse hoje da alegria que todos sentimos quando chegamos em casa, após meu pai ter concretizado o negócio. No primeiro mês de utilização ela sofreu uma avaria. Quebrou um suporte. Só para vocês terem uma idéia, para que o bombo se sustentasse em pé era preciso colocar um transformador velho de lado para servir de apoio... Assim mesmo velha, recebeu logo uma pintura nova e nos prestou inestimáveis serviços. Possuía boa sonoridade.

        -  A bateria  “Pinguim”
 
Em madrepérola branca, de marca Pingüim, uma das melhores no momento, era de excelente qualidade e muito bonita. Foi comprada em São Paulo. A mamãe na época negociava bordados com minha Tia Zenóbia, que residia em São José dos Campos. Aproveitando uma das transferências de dinheiro que receberia dessas vendas, pediu ao tio João que fizesse a compra de uma bateria novinha em folha. Quando este instrumento chegou foi motivo de admiração por todos nós. A bateria depois de montada ficou linda. O meu pai, na preocupação de preservá-la em bom estado, mandou logo fazer uns estojos para todos os seus apetrechos. Por essa excelente providência é que essa bateria teve longa duração, sempre bem conservada e em ordem.

-      A distorção caseira

Sempre gostei de eletrônica, montagem de “kits” de alarmes sonoros, sirenes para discoteca, compressores de áudio e outros circuitos eletrônicos. Ainda em São José dos Campos, quando criança, gostava demais de brincar com tudo aquilo que tinha eletrônica. Montava e desmontava lanternas, pequenos circuitos para acender foquitos de lanterna, com instalações feitas na parte de baixo de mesas e camas. Mexia e fuçava em brinquedos eletrônicos, sempre que podia. A eletrônica e tecnologia moderna sempre me fascinaram.

Com 14 anos, fiz por correspondência um curso de rádio e televisão pelo Instituto Universal Brasileiro. Consegui aprender um bocado de coisas e montei um rádio, sob a orientação e com todos os componentes fornecidos pelo Instituto, como parte do treinamento. De vez em quando estava eu gostava de pesquisar as novidades, na Rua Pedro Pereira, local onde se encontra em Fortaleza o maior número de lojas de produtos eletrônicos. Conhecia todas as lojas e muitos vendedores, e como bom cliente, principalmente durante a existência do Big Brasa, obtinha bons descontos em todas as compras.

Essa relativa habilidade que tenho para eletrônica me ajudou muito durante toda a minha vida, desde criança, passando pela juventude, no Big Brasa, mais tarde no campo do radioamadorismo e até hoje em dia, com a Informática. A prática e a iniciativa incentivam o processo de criatividade e vice-versa. Digo isso para demonstrar como é que foi o lance da primeira distorção do Big Brasa e de Fortaleza. Para que os mais novos tomem conhecimento, ocorreu uma verdadeira pesquisa, coroada de êxito. Foi assim.

Ao ouvir umas gravações, a fim de escolher músicas para nosso repertório, notava alguns sons de guitarras super pesados, mas não sabia como é que os caras conseguiam aquilo. Vendo um filme musical e lendo um pouco sobre conjuntos, soube que existia um “aparelho”, que conectado à guitarra, produzia aquele som rachado e distorcido. Esse tal aparelho era a distorção. Fiquei louco de vontade de conseguir um som daquele tipo e comecei a falar com todo mundo que eu achasse que poderia ter uma idéia. Escrevi uma carta para o tio João e, depois que ele fez sua pesquisa em São Paulo, não conseguiu descobrir nada. Na verdade eu nem sabia o nome do aparelho direito, muito menos ele, que leigo em música, não deveria saber ou entender do tal som que eu procurava. Pois olhem, aí vai a dica: quando desejarem alguma coisa, finquem o pé e batalhem, lutem e tomem iniciativas, que certamente serão bem recompensados. Continuei procurando o tal aparelhinho - e sem nada conseguir.

Um belo dia, em minhas conversas com os colegas, disse para o Júlio Matos, o Julinho, que estava querendo comprar uma distorção mas não sabia onde. Para meu espanto ele me falou que tinha uma revista de eletrônica com um “esquema”, ou seja, o diagrama de montagem de uma distorção. Foi demais! O bom é que o Julinho gostava do assunto e sempre foi um técnico muito competente e pesquisador. Além disso, ele ficou interessadíssimo e disse que poderia tentar montar a tal “distorção”. Compramos todos os componentes necessários para a montagem e depois de poucos dias estava ele, o Julinho, chegando lá em casa com uma caixinha de metal, tirada de alguma sucata, que deveria ter sido de alguma outra montagem ou experiência anterior. Com muito cuidado, localizamos quais os locais de entrada e de saída de som, para que a guitarra fosse conectada ao aparelho, e este ao amplificador. Fizemos os cabos necessários, todas as devidas soldas, “plugs” e pronto. Preparamo-nos para o resultado. Acreditem: neste momento mais parecíamos dois soldados tentando desarmar uma mina, na expectativa de uma explosão, tal era nosso grau de ansiedade. Suspense total. Após ligar tudo, peguei a guitarra e toquei algumas notas. De início, nenhuma alteração e ficamos naquela, os dois meio sem jeito, sem olhar um para o outro. Fui tocando mais um pouco e mexendo nos dois potenciômetros (botões de regulagem e outras funções) que o aparelhinho possuía. De repente, o som ficou mais forte e pesado, começando a distorcer. Nessa hora, eu comecei a rir muito e a dizer:

- É isso aí, olha cara, esse é o som que estava querendo, deu certo!

O Julinho estava incrédulo, visto que ele próprio não sabia que som ou efeito sua montagem seria capaz de produzir.

-      O primeiro pedal tipo “wah-wah” de Fortaleza
 
O conjunto sempre procurou criar um diferencial, fazer inovações. Por exemplo, o Big Brasa foi o primeiro conjunto de Fortaleza a usar o pedal conhecido como “wah-wah”. Eu tinha visto esse tipo de pedal em um filme e apreciei muito os efeitos que produzia. Expliquei como funcionava e para que servia e o tio João se encarregou de fazer a aquisição para nós, em São Paulo.

Inauguramos o “wah-wah” durante todo o Festival Nordestino da Música Popular, realizado no Náutico Atlético Cearense, que teve como vencedora a música Beira-Mar, do Ednardo, acompanhado pelo Big Brasa. Ligado à guitarra-solo produzia sons diferentes e foi motivo de admiração. Algumas pessoas chegavam a ficar com a boca fazendo o movimento correspondente ao “wah-wah”.

Ao longo de minha carreira como guitarrista-solo usei várias marcas de pedais desse tipo. Sua característica, para quem é leigo ou não conhece esse pedal de efeito, é a de possibilitar a que o músico alterne rapidamente, através de movimento com o pé, um som agudo para um grave ou vice-versa, produzindo efeitos espetaculares. Daí o nome desse pedal ser “wah-wah”.

Em uma de nossas idas a Parnaíba, um músico local me fez uma proposta vantajosa para comprar meu “wah-wah”. A quantia que ele oferecia daria para eu comprar dois pedais novos. Animado, concretizei o “grande negócio”. E “dancei”, porque ao chegar a Fortaleza e manter ligações com o tio João, descobri que aquele pedal não era mais fabricado e tive que optar por uma marca pior, quase com o mesmo custo.

-      A minha guitarra “Supersonic”

Tive umas quatro ou cinco guitarras durante a existência do Big Brasa. Cuidava muito bem delas, como até hoje tenho zelo por tudo que possuo. O músico que se preza tem que tratar bem seu instrumento, conservando-o sempre da melhor maneira possível. Uma dessas guitarras, a que mais gostava, chegando mesmo a “conversar” com ela às vezes, foi uma “Supersonic”, fabricada pela Gianinni. No princípio eu a usei por algum tempo sem modificação nenhuma.  Essa guitarra possuía uma característica importante para um solista. Com ela eu conseguia utilizar a alavanca diversas vezes sem que ela perdesse a afinação (para quem é músico fica fácil entender). Nos improvisos em rocks e blues coisa fundamental. Mesmo assim, um dia resolvi dar uma melhorada nela, em suas formas e em seu som. Desmontei-a por inteiro, inclusive seus componentes eletrônicos, como os três captadores de som, sistema de alavanca, molas, cavalete, braço e tudo. Ao final estava completamente desmontada. Eu olhava para as peças e pensava: será que vai dar certo? Com uma pequena serra e depois lixas, cortei um pouco suas formas de modo a que ficasse parecida com uma “Gibson”, uma das melhores marcas do mundo. Depois começou a parte dos acabamentos. Apliquei massa como se faz numa pintura de automóvel, no sentido de laqueá-la. Adquiri um novo conjunto de captadores e escolhi um deles em substituição a um dos originais, por ter uma sonoridade bem interessante. Andei mexendo um pouquinho nos pequenos circuitos dos controles de graves e agudos, acrescentando ou modificando, na base da experimentação mesmo, alguns capacitores (componentes eletrônicos que, dependendo de onde são usados, alteram o som). A pintura, de branco, foi à pistola, com um cuidado todo especial. Ficou muito legal, parecendo até mesmo “de fábrica”. Passei então à fase crítica da montagem, para que ficasse afinando normalmente e conseguindo as “oitavas” numa boa. Com um encordoamento “zerado”, não lembro a marca, comecei a testar a “nova” guitarra. Deu certo! Estava com uma verdadeira “Gibson”, home-made, que me serviu por muito tempo e que até hoje me traz ótimas recordações.

-      O primeiro órgão eletrônico

A aquisição do primeiro órgão eletrônico - um Diatron - foi feita pelo meu pai, na Mesbla, através de um cartão de crédito, cujas prestações foram inúmeras e difíceis para serem quitadas. Lembro-me que ele reclamava bastante no final do mês, quando ao pagar a prestação a dívida pouco diminuía.

Com a presença do órgão o Big Brasa evoluiu muito, tendo em vista o aumento das possibilidades de arranjos, combinação das sonoridades, marcação rítmica e base harmônica mais completa, além dos próprios solos do instrumento. Esse Novatron não tinha muitos recursos, se comparado aos equipamentos modernos: vibrato e alguns timbres diferentes, com os controles de graves, agudos e volume, este feito através de um pedal que volta e meia apresentava defeito - quase sempre em seu cabo de ligação.

-      Ainda falando de teclados

No segundo órgão, que a fábrica chamou de Novatron, algumas novidades, mas a mesma essência. Nesse segundo equipamento é que houve a decepção, por parte do Mestre Alberto, quando encontrou o órgão, em um final de festa,  com as laterais do teclado e uma das teclas queimadas por um cigarro, por simples desleixo do organista. Ele fala nisso até hoje. Na verdade um músico que se preza e que compra seu instrumento com dificuldade, pelo menos em princípio deveria ter muito cuidado e zelo com ele.

Posteriormente, nos teclados que o Big Brasa usou, pudemos inovar bastante. Na época em que passei a tocar teclados, quando tive que substituir o Adalberto, adquiri três pedais (sustainner, phaser e flanger), os quais interligados ao órgão produziam sons bem diferentes dos usuais, despertando muita atenção por seus efeitos sonoros.

Além de órgãos eletrônicos utilizei diversos outros teclados, a exemplo de um sintetizador monofônico (para os que não leigos, que tocava uma nota de cada vez, não produzindo acordes). Pouco tempo depois fui à São Paulo e adquiri um sintetizador polifônico, mais moderno. Custou uma grana violenta. Com ele a parte harmônica podia funcionar, visto que os acordes soavam normalmente. Entretanto a dificuldade para programar os diferentes sons e efeitos era muito grande. Perdia muito tempo e tinha que ser mais operador do que músico. Não satisfeito com esse equipamento, troquei-o em Fortaleza por um órgão eletrônico de dois teclados e comprei um outro sintetizador, o Poly-800. Com o Poly-800 a gente tirava sons e efeitos incríveis. Daí por diante chegou a fase dos sintetizadores mais “pesados”, tipo DX-7, da Yamaha.

O primeiro modelo DX7 era excelente, em seus diversos aspectos. Com sua qualidade de som espetacular, o equipamento pesava aproximadamente oito quilos e possuía um teclado de cinco oitavas, muito macio. Possibilitava ao músico nele programar, ou seja, criar seus próprios sons e timbres à vontade e armazená-los  em sua memória. O DX7 já vinha com um cartucho com uma infinidade de sons programados, além daqueles previamente gravados de fábrica. Adquiri depois outros cartuchos RAM, aqueles nos quais se pode gravar, e assim pude gravar meus sons, timbres e combinações de sons prediletos para utilizá-los em outro DX7, se necessário, levando apenas os cartuchos previamente gravados.

Mais tarde consegui adquirir também um teclado Roland, modelo E-20, de excelente qualidade. Com esse instrumento, eu e o Airton França formamos uma dupla muito legal. Ele com um violão Ovation, de sonoridade ótima, cantando (muito bem, por sinal) e até mesmo tocando piston, e eu fazendo alguma parte de vocalização e tocando órgão e sintetizador. Na fase dos órgãos eletrônicos modernos, cheguei a utilizar alguns desses teclados que “fazem tudo”, com bateria, baixo, harmonia e efeitos para solo de diversos tipos. Chamados também de “desempregadores” de músicos, visto que um tecladista com um desses equipamentos pode substituir um conjunto inteiro, dependendo do ambiente que esteja trabalhando.

Associado a esses órgãos eletrônicos cada vez mais perfeitos, hoje em dia mantenho ainda um sintetizador DX7 - II, da Yamaha, que possibilita centenas de possibilidades de programação, enfim, um instrumento utilizado pelos melhores grupos não só do Brasil mas do mundo inteiro. Com esse DX7, utilizo também um teclado Roland, de sonoridade excelente.

Meus filhos, Alberto Neto e Cristiane, desde pequenos demonstraram uma grande afinidade pela música. “Filho de peixe, peixinho é”, diz o ditado, pois mesmo quando crianças sempre gostavam de tocar em instrumentos musicais de brinquedo. Em nossa casa, para não “perder a forma”, ainda hoje mantemos uma pequena sala de música, com teclados, guitarra, pedais, microfones, amplificadores, caixas de som, estante, partituras e outros acessórios, onde todos nós somos freqüentadores. De vez em quando estamos por lá para “tirar um som”.


João Ribeiro da Silva Neto
Do livro "O Big Brasa e minha vida musical" (1999) 

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